AUSÊNCIA DE JULGAMENTO
Sou uma absoluta fã do respeito pelo outro. Estou quase a roçar o activismo nisto de promover o olhar para o outro e de nos esforçarmos, árdua e diariamente, por vê-lo.
E neste meu esforço interno constante vem a atenção pelo que no outro existe, pelo que é, pelo seu querer ser, pelo que escolhe não ser, pelas múltiplas formas como se manifesta.
Sou fã das mudanças que se vão assistindo na escolha, gosto de ver as formas e cores que vai tomando ao longo dos tempos. E é aí que encontro a beleza das relações, das que se acompanham, por muitos e bons anos. No respeito pelas metamorfoses do outro. Apontamos holofotes a personas diferentes, trocamos de pele como as cobras e regeneramo-nos em partes do corpo que exercitamos à vez. E hoje sou mais cabeça e daqui a dez anos sou mais corpo. E hoje sou mais prática e daqui a cinco anos sou mais teoria. E hoje sou mais empirismo e amanhã sou mais ciência. E hoje cuido e daqui a uns anos sou cuidada. Hoje saboreio um bife e amanhã sou vegetariana. E hoje partilho e amanhã reservo-me. E é nestas experimentações que nos cumprimos, que somos felizes à vez.
Penso muitas vezes no imediatismo da compreensão do outro, como se esta fosse possível em poucos minutos de conversa. O respeito pela dimensão que é remete-me sempre à não ingerência, à não tentativa de solucionar o desafio do outro que acabámos de conhecer quando ele se defronta e o pensa há dias, há meses, às vezes há anos a fio. Conhece todos os vértices do iceberg e nós apenas a ponta, mas em poucos minutos sacamos da cartola várias formas de derretê-lo perante a humanidade que teve em partilhá-lo connosco. Simplesmente, porque nos considera seus. E nessa extensão de si em nós, partilha. Amar é saber receber, ser grato pela partilha. Suportar o desafio e acompanhar o processo que implica.
A verdade é que neste percurso labiríntico de amar só encontro uma saída humana: Ouvir. Ver. Estar Presente. Acompanhar.
Respeitar a incoerência do outro é a forma humana de amar. Compreende, não endeusa. Porque todos estamos a apalpar isto do que é viver, a tentar perceber onde, como, com que voz, com que pele, com que olhos vivemos mais alegres, mais satisfeitos, mais cumpridores do que nos é natural, mais oxigenados, mais vivos. E tentamos e tentamos, e testamos, e provamos, e erramos, e repetimos, e desistimos, e tudo, e tudo, e nada e tudo outra vez.
Não há nada mais fascinante do que ver o outro acontecer. Só essa atenção ao momento relaciona. O que somos pela vida tem um mundo dentro e “nunca sabemos, e nunca saberemos, o que é compreender inteiramente outra pessoa” (E. Strout). Mas, é nessa tentativa e na admiração por essa misteriosa singularidade que encontro a riqueza do (nosso) mundo.